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Prefácio

O conhecimento necessário para escrever este livro não surgiu somente da mente do autor. Surgiu, antes, das mentes agregadas de vários indivíduos brilhantes e laboriosos que, por vezes camuflados sob pseudônimos irônicos de internet, trabalharam duro e com paixão para o desenvolvimento e democratização de uma tecnologia que, por décadas, ficou aprisionada em redutos industriais de acesso controlado e vigiado. A esses indivíduos, no entanto, poucas vezes foi dado o devido crédito; ao contrário, pode-se enxergar uma tendência a apagá-los da história, ou a reduzir suas contribuições a meras curiosidades. E o dano desta falta de reconhecimento não é só histórico ou moral; tem consequências práticas profundas na medida em que evita que o aprendiz entenda a tecnologia, conheça seus limites e possibilidades, e consiga usar a criatividade para aproveitá-la ao máximo. Se um documentário famoso omite completamente o nome do projeto comunitário de impressão 3D que deu origem a virtualmente todas as impressoras domésticas, ele impede que o telespectador tenha contato com as motivações, receitas e ensinamentos do projeto; se um livro promete "a verdade" sobre impressoras 3D, e reduz esta "verdade" a uma trivialidade sobre limitações contemporâneas de uma das formas domésticas desta tecnologia, ele desinforma e oculta de seu leitor o significado do aprendizado; se um curso de impressão 3D faz pouco mais que listar modelos de grife e seus procedimentos pré-programados como uma lista de compras, trai o estudante tanto por priorizar forma sobre essência quanto por tentar confiná-lo ao papel de consumidor numa tecnologia que o transforma em produtor. Imagine um curso de culinária que ao invés de ensinar a cozinhar, diz apenas o que comprar para comer!

Colocar o consumidor como criador e produtor: essa é a razão pela qual a Impressão 3D é literalmente e sem exageros revolucionária. O que significa revolução? Alude a giro de uma roda, mudança de papéis. Se o consumidor deixa de ser um mero espectador e passa a fazer parte do processo, a relação de poder muda. Em inglês já se popularizou o termo "Prosumer" ("Prossumidor") e ele representa perfeitamente a mudança paradigmática que está acontecendo; se você desejava adquirir outras tecnologias inovadoras de sua época, como uma tevê ou celular, você procurava conhecer os fabricantes e comprar um modelo. E apesar de você poder perfeitamente seguir esta forma ao orçar uma impressora 3D doméstica, com excelentes marcas nacionais além das estrangeiras, você não está confinado a elas; o site reprap.org lista literalmente dezenas de receitas completas, incluindo listas de materiais e sugestões de como fazer ou comprar as peças, para você construir em casa, peça por peça, sua própria impressora 3D, incluindo todo o software que precisa usar com ela com licença "open-source" / "livre", isto é, permitindo livre cópia, modificações e melhorias.

Isso não é mera curiosidade sobre a tecnologia; antes, é seu mote, seu nexo. O projeto RepRap procura fazer impressoras ("replicadores", daí o "Rep") que imprimam suas próprias peças; crianças de 12 anos de idade, sem assistência dos pais, estão usando das receitas de internet para construir suas próprias impressoras e até aprimorar a tecnologia com sua criatividade típica, num processo de acumulação coletiva de melhorias já batizado de frictionless innovation; notícias do meio já vêm horizontalizadas com material para estudo disponível e busca de voluntários ao invés de simples apresentação passiva, vertical, da tecnologia; pesquisadores de áreas bem diversas dos mecanismos computadorizados das impressoras 3D estão as modificando e criando novos meios para culturas de células, para próteses e órteses, para música e design, química e enfermagem, numa verdadeira celebração do conhecimento humano, livre das grades de seus antigos carcereiros auto-nomeados.

É sob essa perspectiva, portanto, que este livro é escrito: de libertação, de exploração do potencial de cada indivíduo curioso e criativo com que tiver contato. Para isso ser possível, o livro procura ser o mais abrangente possível, explicando cada teoria necessária para se entender a impressão 3D. Para o técnico que decide embelezar sua peça mecânica, existe o capítulo sobre acabamento e pintura. Para o artista gráfico que deseja fazer um design eletrônico, a seção do livro sobre eletrônica e motores será uma boa referência, explicando desde o início com vocabulário simplificado. Para o engenheiro eletricista que deseja saber como ABS e acetona interagem, temos a parte sobre comportamento químico dos materiais. Para o programador de computador que deseja saber sobre usar impressoras 3D para reciclagem, explicamos o caminho das pedras. E para todas essas pessoas, trabalhando ao redor do mundo e trocando entre si os arquivos de suas realizações, o livro apresenta em seu corpo vários casos de extrapolações criativas da impressão 3D — arriscando inclusive ilustrar becos sem saída, idéias sem continuação futura - de modo a que tenham a melhor utilização possível de seu equipamento.

Por fim, seria contraditório um livro se pretender libertador e ser, ele mesmo, aprisionado, confinado. As leis de direitos autorais (copyright) são uma realidade atual inescapável, permitindo ao autor decidir por 120 anos o que as pessoas podem ou não fazer com seu trabalho intelectual. Em contraponto a isso, existe o Copyleft (All Rights Reversed) que, usando a própria lei de copyright, vira seus conceitos de ponta-cabeça, concedendo direitos aos recipientes ao invés de limitações. A licença de uso de todo o conteúdo1 deste livro está nos apêndices, mas de modo simplificado: você pode copiar este conteúdo quanto quiser, pode modificá-lo e fazer e redistribuir sua própria versão, pode inclusive vendê-lo e fazer uso comercial dele; mas deve manter e citar a licença, ou seja, dar aos outros o mesmo direito incondicionalmente, e deve preservar o crédito da autoria original do documento.

O cientista Isaac Newton já disse, ele mesmo referenciando a frase de outros: "se eu vi além, foi por me apoiar nos ombros de gigantes". São os ombros acumulados de inúmeras gerações passadas que nos permitiram subir tão alto, e estou oferecendo o meu ombro desimpedido para que as informações aqui contidas apoiem o máximo possível de novos makers e curiosos. Vamos imprimir o futuro em 3D!

Note
Notas:
  • As ilustrações coletadas de diversos sites da internet estão referenciadas nas descrições e são copyright de seus próprios autores. Quando a ilustração aparece sem crédito, significa que foi criada pelo autor deste livro e se encontra igualmente sob a licença CC-BY-SA.

  • Este livro tem erros. Assim como acima de um limite, todo código de computador tem bugs, esta obra faz todo tipo de afirmação sobre diversos assuntos…​ e algumas estarão erradas. É virtualmente impossível coletar dados de tantas disciplinas diferentes, se embrenhar em tantas cabalas e indústrias e clubes e comunidades, buscar os fatos escondidos atrás de opiniões, pesar os fatos conflitantes de perspectivas diferentes, e não cometer nenhum equívoco. Equívocos que, com feedback adequado, são corrigidos em versões posteriores do documento. Uma correção é também uma informação preciosa, uma lição aprendida, e para que isto não se perca, todas as correções feitas no documento serão anotadas em seu Changelog, no mesmo repositório em que ele se encontra.

Agradecimentos

Este livro teve muitos colaboradores indiretos, que auxiliaram o autor na resolução de dúvidas, sugestão de temas, correção de erros e demais contribuições que permitiram que o conteúdo saísse…​ amaciado. Ricardo Cavalini do Makers, com sua didática pró-ativa e avaliação metódica, exterminou muitos erros pontuais em todo o texto. Rubens Medino, outro professor de impressão 3D, aumentou as perspectivas com suas sugestões astutas, como a persistência em aprofundar sobre polímeros e G-Code. Alex Borro, com seu canal do youtube e suas observações cirúrgicas sobre a engenharia e princípios por trás da impressão 3D, produziu muito conteúdo que serviu para embasar os capítulos; sua persistência para evitar o uso de termos incorretos como "voltagem" foi um bem-vindo norte ao conteúdo. "Boby Burn", com seu conhecimento de indústria e logística, ajudou na terminologia e contextualização dos temas. Carlos Roberto, com seus conhecimentos profundos e pragmáticos sobre Simplify3D e incansável pontuação de suas vantagens e desvantagens. Rafael Estevam, com seu pensamento "fora da caixa", contribuiu com suas idéias originais e sua grande vontade de retribuir conhecimento e código. André Ruiz, com suas tabelas e gráficos que simplificam enormemente o entendimento de tópicos complicados de impressão 3D. Roberto Reis, com suas preciosas informações sobre deltas, mecânica e ARM.

O Serviço Social do Comércio (SESC) de Campinas, especialmente pela figura de Fernando Mekaru, ajudou enormemente no patrocínio indireto com suas oficinas e cursos encomendados; tal material foi essencial na confecção deste livro e o retorno financeiro deles ajudou a "segurar as pontas" durante os longos meses da redação do conteúdo.

Na área acadêmica, tive o aconselhamento e guia de Dra. Maria Elizete, Luciano Paulino Silva, Marcelo Sperandio, Elizabeth Ferreira Martinez e Luvas Novaes Teixeira, indispensáveis para poder encontrar e selecionar informação especializada que pudesse ser oferecida de forma amigável para o público leitor desta obra.

O Dr. Joshua Pearce, com quem troquei vários e-mails no curso da escrita desse livro, é um grande entusiasta do open-source e de sustentabilidade e atuou não só como fonte, guia e professor mas como inspiração, por todos os seus trabalhos, livros, artigos e dedicação à causa do conhecimento. Não é coincidência que a licença adotada neste livro seja a mesma de sua obra "Open Source Laboratory".

Contribuíram com a correção e revisão do texto: André Ruiz, Ricardo Cavallini, André Stavraskas, Roberto Reis, Carlos Roberto Varela, Rafael Estevam, William Lima e Paulo Miamoto Dias.

Costuma-se dizer que sem conflito não há progresso, sem o contraditório não há resolução de problemas. Nesse espírito, o ceticismo ajuda, até mesmo o ceticismo ácido e pirronista. E ainda que muitos acreditassem no empreendimento e sustentabilidade de uma obra totalmente livre, houve os que duvidassem e contestassem o que não pertence às perspectivas de seu microcosmos, o que não raramente tem o efeito de minar o espírito pioneiro e enfraquecer a vontade. Alguns amigos — pois amizade não depende de opinião - permaneceram firmes em desafiar meu projeto, e agradeço a eles porque isso ao invés de enfraquecer me deu ainda mais energia para realizar minhas pretensões, provar meu ponto, fazer frente ao escárnio, retornar números e resultados sólidos contra suas contestações. Menção honrosa para Hélio Loureiro, o mais resiliente e provocador oponente intelectual, sem o qual eu não teria feito tantos preparativos para a abordagem livre e inovadora da obra.

Mas acima de tudo, eu não teria conseguido sem o apoio, participação e companhia inseparável de minha esposa, Kimberly Sampaio, essa pessoa extraordinária que me conheceu em um momento de amargura e me fez subir do poço para as alturas.

Note
Nota sobre as referências

Esta obra não tem um estilo único de referências — em alguns trechos usa referências numeradas para não interromper o fluxo de raciocínio do texto, em outros trechos expõe a referência em parênteses ou explicitamente, de modo a conectar esta referência ao raciocínio. Isto é proposital e embora represente um leve rompimento de paradigmas de boa escrita, compensa pelo valor pedagógico.

Embora tradicionalmente para o campo da tecnologia e ciência as referências adotadas sejam de artigos científicos publicados em periódicos ou livros anteriores publicados, nesta obra existem muitas referências que advém de blogs, wikis e vídeos de internet. Ainda que sejam frequentemente mais informais e com menor escrutínio acadêmico, não entenda o leitor que isso significa baixo rigor na escolha de fontes para as informações; significa, antes, que está havendo uma mudança paradigmática e organizacional do saber na sociedade, e que muitas das informações que antes só se encontravam em guardiões nomeados do conhecimento agora se obtém de indivíduos e iniciativas de todos os tipos de formação, origem e associação, fazendo parte da própria cultura Maker que explicitamos. Muitas vezes a informação simplesmente ainda não teve tempo de chegar à academia ou aos livros. Outras vezes, o blog ou wiki simplesmente apresenta o conteúdo de forma mais didática e independente de leituras anteriores. Essas fontes, quando citadas, são escolhidas criteriosamente de acordo com seu conteúdo e impacto percebido nos círculos Maker para inclusão no livro, mas também citamos referências mais convencionais como patentes, artigos científicos, white papers e outras publicações formais quando relevante e útil.

Quer contribuir? Você pode!

Este livro é o resultado de anos de prática, leituras, experimentos, debates, vídeos, palestras, aulas, oficinas, parcerias e fabricações do autor. O foco desde o início foi trazer o máximo possível de compreensão com o mínimo possível de pré-requisitos, o que é uma tarefa hercúlea considerando um campo que agrega e se utiliza de tantas disciplinas do conhecimento humano. Algumas partes foram reescritas três, quatro vezes, para garantir a melhor didática. Alguns trechos de duas páginas do livro (como as das impressoras 3D delta) demoraram semanas para serem compostos não por falta de teoria, mas pelo esforço de garantir uma apresentação explicando os princípios para que houvesse a "compreensão profunda" do tema, "a ficha caindo". Ainda assim, embora o leitor possa comprar este livro em sua forma impressa, pode também baixá-lo gratuitamente pela internet e sua distribuição é livre. O entendimento é que o valor do livro é tão maior quanto maior audiência ele tenha, quanto mais o conhecimento se dissemine, e não é razoável sacrificar este valor em detrimento do preço, ainda mais se este preço estiver condicionado à limitação artificial de cópia que as leis de copyright por default impõem.

Nesta perspectiva, é compreensível que o leitor se sinta grato por esta atitude diferenciada e em alguns casos se sinta impelido a retribuir. Até pequenas correções de informação serão úteis, são os patches para os bugs do texto. E assim como Eric Raymond demonstra em A Catedral e o Bazar, "com olhos suficientes, todos os bugs são rasos".